Do Cariri para o Mundo

Revelado com apenas 23 anos, com uma “ajuda” dos renomados Irmãos Campana, Pedro Franco se tornou um dos grandes nomes do design, já tendo no portfólio 12 participações no Salão do Móvel de Milão com peças assinadas. Hoje, comanda a A Lot Of Brasil, marca que aposta na autenticidade do design brasileiro, com representatividade a nível internacional.

Com múltiplos talentos – do desenho à gestão -, o fundador da A Lot Of Brasil conseguiu imprimir de sua marca um selo da autenticidade brasileira e, ao mesmo tempo, um hub da energia criativa que pulsa, nos quatro cantos do mundo. Numa longa conversa, ele nos contou detalhes curiosos dessa trajetória, bem como da mais recente coleção, inspirada em sua nova e arrebatadora paixão: o Cariri.

Revista Ambientes:. Você iniciou no mundo do design cedo, tendo sido agraciado, aos 23 anos, com o Prêmio Brasil Faz Design. Quando e como surgiu o interesse pela área?
Pedro Franco:. Sou formado em Arquitetura, mas a minha paixão sempre foi design. No começo, ali em meados de 1998, 1999, existia uma grande dificuldade que rondava o segmento, que era a busca de referências essencialmente no que vinha de fora e no que continha alta tecnologia. Então, eu não via muita perspectiva na área, e isso só foi mudar quando fiz um workshop com os irmãos Campana, no Museu Brasileiro da Escultura. Naquele momento, eles já defendiam a importância do terroir nacional de investir na autoprodução. A partir daí, sai pesquisando materiais e descobri no setor automobilístico a inspiração para criar uma cadeira (Orbital) feita do entrelaçamento de câmaras de ar de carro, caminhonete e trator, que acabou ficando superergonômica, alcançando a função de uso dela. O grande diferencial foi a sacada que tive de revesti-la em lycra, o que acabou remetendo a algo bem tecnológico e futurista. Essa criação venceu um concurso, que me rendeu, ainda como estudante, a oportunidade de expor em Milão, minha estreia internacional e grande porta de entrada. Lá, tive a sorte de cair nas graças de um grande curador, o Vanni Pasca, e ele gostar muito do meu produto, a ponto de me convidar para participar de uma exposição dele em Verona e, depois, me colocar na capa de um livro que estava lançando.

RA:. Falando nisso, você reúne troféus nacionais e internacionais. De que forma eles foram propulsores do seu sucesso?
PF:. Esse caminho de concurso fomenta o design, é algo que eu acredito muito. Inclusive, se eu pudesse dar uma única dica para um jovem designer seria justamente essa, de ficar atento ao calendário de concursos e aproveitar a oportunidade para experimentar as possibilidades. Quando você é jovem e está desenvolvendo um produto, pode colocar ali toda a sua utopia, tudo o que você acredita naquele objeto. Dessa forma, o concurso é uma ótima oportunidade de mostrar esse exercício de pensar diferente aquelas peças que estão no cotidiano e lançar esse “pensamento no mercado”. Eu acredito tanto nisso que A Lot Of Brasil já fez alguns concursos, como o Brasilidade Industrial e o Top Design.

R.A:. E em relação as suas criações, quais foram as mais icônicas?
PF:. O design tem uma peculiaridade que cada produto é como um filho, e você não tem um filho preferido. Mas os que mais me marcaram foram a Poltrona Orbital, por ter sido a primeira e a poltrona Super Nova, que eu fui premiado novamente, dessa vez como profissional, em 2002. Também destacaria o sofá Antropofago, que a mídia internacional rebatizou de sofá Dreadlocks e marcou a minha estreia no salão Satélite. Por último, e não menos importante, tem a cadeira Esqueleto, que representa o ápice da minha realização profissional. Ela é uma peça que junta um pouquinho de tudo o que eu acredito hoje no design e foi escolhida para figurar no Vitra Design Museum, ao lado de grandes nomes.

RA:. Além de artista, você é empreendedor. Sempre teve tino comercial? 
P.F:. Eu brinco que sou designer por paixão e empresário por obrigação. No começo, eu fazia tudo: produzia, ia atrás da matéria-prima, organizava o romaneio… Isso foi me ensinando o lado mais comercial. A partir do momento em que comecei a ter uma conexão maior com a Itália, entendi que as coisas andam de mãos dadas. Não adianta só você criar um produto. É preciso pensar na produção, na distribuição, na comunicação, no merchandising. Se uma dessas partes falhar, você não vai ter o máximo que aquele produto pode oferecer. Hoje, esse lado empresarial até se tornou prazeroso, pois vejo que é ele que faz as coisas acontecerem.

R.A:. Você acha que o brasileiro ainda enxerga com melhores olhos o que vem de fora ou isso vem mudando com o atual movimento de valorização do design nacional?
P.F:. Acho que existe uma tendência de mudança, mas ainda há uma grande procura por referências de fora. O que é uma pena, porque a gente é pleno de cultura, de matérias-primas, de possibilidades para se trabalhar aqui. E temos novos talentos emergindo que procuram traduzir o nosso próprio DNA, essa brasilidade. Esse é o caminho para arte, para a arquitetura, pra tudo. Inclusive, acredito que, nos próximos anos, o próprio consumidor vai procurar isso.

R.A:. Inclusive, o outro braço da Lot Of – A Lot Of Brasil – surgiu com esse intuito, não é?  
P.F:. Aprendi muito com essas marcas italianas que eu trazia pra cá. Aprendi na forma de comunicação deles, na embalagem… Mas chegou um momento em que falei para mim mesmo: vou parar de importar e criar a minha própria marca/indústria. É aí que o Vanni Pasca, que se tornou um grande amigo, entra em cena novamente, como consultor. Queria produzir no Brasil aquilo que importava até então, ou seja, produtos de altíssima qualidade, de forma industrial e assinados por designers do mundo inteiro. Isso é algo delicado e não muito fácil pois, quando se fala do design italiano, as grandes marcas carregam o timbre do “made in Italy”, mesmo sendo criadas por designers do mundo inteiro. O mundo não tem mais esquinas hoje. Foi dentro disso que começamos a discutir e surgiu a essência da A Lot of Brasil, que marcou um encontro com o meu real propósito de vida.

R.A: Qual o principal diferencial da marca? É o que você chama de brasilidade industrial? Explica melhor esse processo!
P.F:. Esse é um termo que eu criei junto com o Vanni porque, essencialmente, a gente ama a brasilidade e artesanalidade, mas o que movimenta a cadeia e permite exportar, trabalhar em todos os ângulos, é o processo industrial. É justamente aí que precisamos entender que um não elimina o outro. O grande segredo é fazer essa junção; manter a sua identidade e traduzi-la em larga escala, garantindo que o produto seja autoral e, ao mesmo tempo, acessível. A brasilidade industrial é sim, sem dúvidas, o grande mote da A Lot Of Brasil.

R.A: Do nacional para o local… A coleção levada para o último Salão Internacional do Móvel de Milão foi a Cariri Collection. Como surgiu a ideia e como foi esse processo criativo a “quatro mãos”, realizado em parceria com a arquiteta cearense Ana Virgínia Furlani?
P.F:. Esse ano encontramos o verdadeiro propósito da existência. Não é só fabricar bons produtos ou ter uma marca global. O que nos move é algo muito maior. É aquele fomento do qual falei anteriormente, e isso está intrínseco na coleção. Eu queria trazer um retrato da glocalidade, que é imprimir valores locais para o mundo global. É uma tendência comportamental que conseguimos trazer para uma outra esfera. Fomos procurar uma microrregião para trabalhar, e a arquiteta Ana Virgínia já tinha feito um trabalho muito bonito inspirado no Cariri, que eu tive oportunidade de conhecer na Casa Cor São Paulo. Quando vi aquela exposição, fiquei encantado e lancei para ela esse desafio de desenhar o nosso stand no Salão do Móvel de Milão. Ela topou e, logo em seguida, eu vim pra cá, para uma imersão no Cariri. Fiquei maravilhado, porque ali é uma região plena de mestres de ofício. Deparei-me com bordadeiras, escultores, cordelistas, xilogravuristas… Eu falo que quem trouxe esse coração pulsante para coleção foi a Ana Virgínia, emprestando para a gente um pouquinho dessa cultura local. Mas, na verdade, foram duas mentes e muitas mãos, uma vez que vários designers – jovens e veteranos, de toda parte – se debruçaram nessa pesquisa para criar e, assim, conseguirmos representar o nosso país através desses artesãos, que resistem bravamente ao decorrer dos anos. E não deu outra… A coleção foi um sucesso e chamou bastante atenção aos visitantes da feira. Agora é divulgá-la a nível nacional, e é isso que estamos fazendo aqui em Fortaleza, em parceria com a Desconexo Design.

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